PCTS – Post Corona Traumatic Stress
Isolado aqui na fazenda de um grande amigo que está morando em Portugal, vendo TV homeopaticamente, não me aprofundando nas redes sociais desde que aqui cheguei, e, anestesiado das notícias trágicas, palpiteiros de plantão e "certezas" certas e incertas, faço algumas reflexões que vão além do momento em si, depois de um longo papo com meu bom e velho pai, também totalmente isolado lá no Rio.
Os efeitos de uma tragédia como a que estamos passando irão muito mais longe do que qualquer um de nós, com essa boa vida que sempre tivemos, pode imaginar. Tiro essa conclusão não de teorias econômicas ou dessa numerologia das pesquisas e jornais cuja base científica em momentos cisne negro são absolutamente irrelevantes, mas da experiência familiar.
Quanto aos temas econômicos, pouquíssimo conhecimento tenho e já estamos inundados de opiniões de gente competente, minhas conclusões são a de um ignorante que acha que quedas de PIB medidas com casas decimais e com menos de dois dígitos e previsões de retomada já para o próximo ano são quase uma piada de mau gosto quando se imagina a grande maioria dos negócios sem qualquer faturamento, uma destruição de valor impossível de precisar e milhões de empregos perdidos a cada semana. Ou esses números são divulgados para evitar um suicídio em massa, ou são mesmo um insulto a nossa inteligência.
Quanto as medidas de mitigação, me parece relativamente óbvio que despejar dinheiro sem controle pra acalmar os efeitos da pandemia em um pais em que histórica e culturalmente se rouba do esparadrapo no hospital a merenda na escola é a melhor maneira de se criar uma dívida futura impagável, garantindo que essas benesses não cheguem nem perto de quem mais precisa. Essa sangria vai fazer a lava jato parecer brincadeira de criança e as economias da reforma da previdência serão uma gotinha de água na chapa quente.
Já na área de saúde pública, isolamento horizontal ou vertical? Não tenho a menor idéia, mas sou obrigado a concordar que o remédio já está fazendo muito mais mal do que a doença e de forma irreversível. Arrisco ainda um palpite de que essa crise é mais de medo e burrice global, inflamados pela mídia e muito bem aproveitados pela politicagem.
Voltando a conversa de hoje cedo com meu pai, que me trouxe a esse desabafo, o que fica de mais grave de um momento como esses é o trauma - e quem teve família que passou por uma guerra pode testemunhar. O consumo NUNCA mais será o mesmo para quem passa por isso.
Antes de voltar ao passado, um exemplo mais próximo de nós é o 11 de setembro, como diz um artigo recente do blog do “Collaborative Fund”, Wounds Heal, Scars Last e exemplifica com a questão de que ao se passar pelo Pentágono, não há traços do avião que adentrou suas paredes, enquanto que a três minutos dali, no aeroporto, sapatos, casacos, cintos e pastas de dente nas bandejas, levantem os braços, esvaziem seus bolsos e garrafinhas d’água, tudo fruto do trauma que dificilmente cederá.
Indo mais longe pra exemplificar com a história da minha família, focando só na questão econômica e deixando de lado as violências e humilhações sofridas, meus avós eram os “Severiano Ribeiro" do Cairo, tinham uma rede com mais de dez cinemas, moravam em uma mansão na praia, tinham casa de final de semana, viagens, carrões, empregados e tudo mais que o dinheiro podia proporcionar a uma família Egípcia próspera na época.
De um dia para o outro, Nasser expulsou os judeus do Egito, pelo simples fato de serem judeus, e confiscou todos os seus bens, ou seja, meus avós, meus pais e seus irmãos adolescentes foram arrancados de suas casas e extorquidos de todos os seus bens e negócios, sendo obrigados a entrar no navio que tivesse vaga, sem sequer poder escolher o destino. Cada pedaço da família foi para uma parte do mundo, estando hoje espalhados entre Brasil, Israel, França, Inglaterra, Canadá e os Estados Unidos.
Meu pai e família chegaram ao Brasil, um dos países que recebia esses refugiados na época, sem um centavo no bolso e sem noção da língua, onde a colônia judaica tinha montado uma rede de suporte que antes de mais nada impedia que morressem de fome e gradativamente lhes ensinavam português, encontravam casa e trabalho.
Começaram, meu avô já com mais de 50 anos na época, do zero e conquistaram muito, trabalhando feito uns condenados, sem choramingadeira, reconstruíram totalmente suas vidas.
O que esse exemplo deixa em comparação ao que acontece hoje é que, apesar deles terem renascido, passados mais de 70 anos do trauma, por todos os ramos da família esparramados pelo mundo e com o qual tenho algum tipo de convívio e comunicação, seus hábitos de consumo JAMAIS foram os mesmos. Posso assegurar que todos, até hoje, por melhor que seja a sua situação e por mais tempo que tenha passado o motivo do trauma, acordam com medo de não poder dar o sustento mínimo a família no dia seguinte e criam mecanismos de defesa, muito comuns aos judeus que passaram por perseguições que geram traumas como esse desde o início de sua existência. Esses mecanismos não são bons para a economia.
O que estamos passando, dessa vez em escala mundial e não exclusiva a um povo ou região, é comparável ao que passaram os judeus a cada ordeal. A tese de "memória curta” para eventos com esse nível de trauma não funciona, ela passa de geração em geração e muda hábitos para sempre, ou pelo menos a longuíssimo prazo.
Ou seja, devemos estar preparados para um longo período onde todo consumo será extremamente cauteloso, um enorme ciclo de crescimento lento, de poupança exagerada, de geração pífia de empregos, onde só serão abertos novos negócios por quem tiver reservas para aguentar um bom tempo sem faturar na próxima crise, com uma diminuição drástica pelo apetite a risco nos negócios e nos investimentos, ou seja, com impacto sem precedentes no mercado de consumo, que obviamente afeta todo o resto da cadeia. O foco será no essencial, nos custos fixos baixos, mais no valor real das coisas do que no percebido, e, é aí que estarão as oportunidades. Fumaça não vai fazer mais efeito.
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